TUDO COMEÇA COM UMA DOBRA | IT ALL STARTS WITH A FOLD

Toda dobra é um vinco. Em alguns casos, como nos tecidos, pode-se umedecer, passar a ferro quente e possivelmente ele desaparece – a depender do tempo de sua vida. Mas, e quando a dobra é a própria memória? Quantos vincos sobrevivem amontoando-se entre fatos, falas e ilusões? Quantas marcas são minhas, vividas e experienciadas? E quantas outras me foram contadas e nelas acreditei? Qual o tamanho das dobras de um casamento? Seu avô saiu de Třebíč, na então Tchecoslováquia, rumo ao porto da Antuérpia. Cheio de sonhos – cujas camadas reconstroem a realidade ininterruptamente – ele embarcou em um vapor, na primavera de 1924, com destino à Salvador, Bahia. Vilém deixou sua terra natal e transformou-se em Guilherme, quando no Brasil. Aqui conheceu Anália, sua avó. Ele branco, ela negra. A história desse casamento chegou à Ulla por transmissão indireta, nas vozes testemunhais de outros familiares, grávida de um romantismo simplista cujo acesso crítico ela só alcançou depois de adulta. Guilherme marcou dia e hora para encontrar Anália na estação de trem da pequena cidade de João Amaro. Ela foi até a estação com seu enxoval, mas ele não chegou. O que se passou, nela e nele, na duração do horário estipulado até a chegada do último trem, quando ele finalmente apareceu? Ela ainda estava lá quando ele desceu daquela derradeira locomotiva. O atraso decorreu do seu contágio por malária. Moraram em várias cidades. Tiveram dez filhos, dos quais seis sobreviventes: quatro mulheres e dois homens. Tudo começa com uma dobra é uma forma de lidar com o desconhecido; com os paradigmas estruturados ao redor da ideia do matrimônio; com as dúvidas constantes acerca da paixão, do amor ou da conveniência, para ambos, dessa relação; mas acima de tudo, como enfrentar as marcas do que só é possível imaginar.

Fábio Gatti - artista visual e curador independente

Every fold is a crease. In some cases, as in fabrics, it can be moistened, hot ironed and the crease may disappear – depending on the time of its existence. But, what about when the fold is itself memory? How many creases survive piling up between facts, words, and illusions? How many marks are mine, lived and experienced? And how many others have I been told about and believed in? How big are the folds of a wedding? Her grandfather left Třebíč, in what was then Czechoslovakia, heading for the port of Antwerp. Full of dreams – whose layers uninterruptedly reconstruct reality – he embarked on a steamer, in the spring of 1924, bound for Salvador, Bahia. Vilém left his homeland and became Guilherme in Brazil. Here he met Anália, her grandmother. He white, she black. The story of their marriage came to Ulla through indirect transmission, in the testimonial voices of other family members, pregnant with a simplistic romanticism whose critical access she only reached as an adult. Guilherme set a date and time to meet Anália at the train station in the small town of João Amaro. She went to the station with her trousseau, but he did not arrive. What took place, in her and in him, between the stipulated meeting time and the arrival of the last train, when he finally appeared? She was still there when he got off that last locomotive. The delay was due to his infection with malaria. They lived in several cities. They had ten children, six of whom survived: four women and two men. It all starts with a fold is a way of dealing with the unknown; with the paradigms structured around the idea of ​​marriage; with the constant doubts about passion, love, or convenience, for both parts of the relationship. But, above all, it is about how to face the marks of what is only possible to imagine.

Fábio Gatti - visual artist and independent curator