Há muitos anos tenho me dedicado a fotografar a forma, o movimento e o meu encantamento com os detalhes botânicos que recolho pelos lugares por onde passo e dentro de minha casa. Folhas, flores, sementes e galhos eram, até algum tempo, a matéria prima exclusiva de meu trabalho, visto o interesse em estudar a natureza em sua constante transformação. Essa questão se me apresentou em função da fotografia feita em estúdio: ao isolar os objetos de seu mundo consegui pausá-los, pela imagem, em suas variações parciais e totais. Cada curva, veio, dobra, pistilo, entranha, mostraram-se ainda mais vigorosos em sua própria evanescência. Enxerguei a vida em sua congenialidade.
Apesar de satisfeita com a visualidade e a circulação dessas imagens Botânicas, havia em mim uma inquietação: se a essência da vida de todas aquelas partes coletadas e fotografadas era a mesma que a minha, o que nos separava? Foi caminhando pelos Arredores de meu corpo e do espaço que ocupo nesse mundo que senti a força vital da natureza e a importância da sua existência: eu sou parte do todo! Não sou uma coisa e a natureza outra. A transformação, o movimento, a evanescência também me atravessam continuamente. Todos esses sentimentos me fazem entender que é imprescindível cuidar, proteger, me envolver, me reintegrar a esse mundo chamado natural do qual fui afastada pela cultura. Experimentei envolver-me com minha natureza. Brinquei de ser árvore, de ser planta e descobri que todas somos uma coisa só, integrada. Daí ocorre uma grande mudança em meu trabalho por meio da qual proponho outra forma de habitar o mundo, pensando nas relações entre natureza e cultura ao abusar da pose, das roupas, da estranheza gerada pela ausência de uma identidade específica na ação de obliterar meu rosto: eu sendo natureza.
Somos uma mesma família de seres viventes. Isso significa que A vida está em outro lugar; na experiência e não no conceito. Ou seja, a vida é um saber experimentado em conjunto e não um significado específico e hermético. Ao descobrir-me familiar à natureza resolvi revisitar coisas sabidamente guardadas por mim, conscientemente esquecidas: álbuns de fotografias, aos montes, objetos pessoais e inúmeras cartas que pertenceram aos meus pais, aos meus avós. Então, abri as portas desse grande repositório da memória, donde se pinçam as lembranças, já desvanecidas de suas verdades, para construir novas narrativas a partir dos fatos – tanto pelos experimentados no corpo ao longo do tempo de convivência, quanto àqueles apenas retransmitidos pela oralidade. Lembrar das histórias é fantasiar a memória: a imaginação é o instrumento por meio do qual me é possível adentrar nesse espaço de tantas vidas particulares já findadas, mas ainda vívidas em mim. Cada pessoa é um livro; cada pessoa é um repositório de imagens; cada pessoa é um particular conjugado no plural; cada pessoa também sou eu.
For many years, I have dedicated myself to photographing the form, movement, and my enchantment with the botanical details I gather from the places I visit and within my home. Leaves, flowers, seeds, and branches were, until some time ago, the exclusive raw material of my work, given my interest in studying nature in its constant transformation. This issue arose for me in relation to studio photography: by isolating objects from their world, I managed to pause them, through the image, in their partial and total variations. Every curve, vein, fold, pistil, entrail, proved even more vigorous in their own evanescence. I saw life in its congeniality.
Although satisfied with the visuality and circulation of these botanical images, there was a restlessness within me: if the essence of life of all those parts collected and photographed was the same as mine, what separated us? It was by walking through the Surroundings of my body and the space I occupy in this world that I felt the vital force of nature and the importance of its existence: I am part of the whole! I am not one thing and nature another. Transformation, movement, evanescence also continuously pass through me. All these feelings make me understand that it is essential to care for, protect, involve myself, reintegrate into this world called natural from which I was separated by culture. I experienced engaging with my nature. I played at being a tree, at being a plant, and discovered that we are all one integrated thing. Hence, a significant change occurs in my work through which I propose another way of inhabiting the world, thinking about the relationships between nature and culture by abusing the pose, clothes, the strangeness generated by the absence of a specific identity in the action of obliterating my face: me being nature.
We are all part of the same family of living beings. This means that Life is elsewhere, in experience and not in concept. In other words, life is knowledge experienced together, not a specific and hermetic meaning. Upon discovering my familiarity with nature, I decided to revisit things knowingly kept by me, consciously forgotten such as photo albums, piles of them, personal belongings, and countless letters that belonged to my parents, my grandparents. So, I opened the doors of this great repository of memory, from which memories, already faded from their truths are plucked to construct new narratives from the facts – both those experienced in the body over time, and those only transmitted orally. Remembering stories is to fantasize memory: imagination is the tool through which I can enter this space of so many individual lives already ended, but still vivid within me. Each person is a book; each person is a repository of images; each person is a particular conjugated in the plural; each person is also me.